[•] Correio Terráqueo [•] (Crônica) Sala de espera. Estava com minhas canelas cruzadas, unhas exemplarmente aparadas. – Geann! Vamos lá? – me chamou, com a alegria que já me soava comum. Ela sabia que a espera por aquela conversa havia sido adiada descabidamente. — Olha, fez as unhas! — disse, notando que sua observação sobre as unhas grandes feita meses atrás surtiu resultado. Tomado por aquela aura grosseiramente introspectiva, perguntei se também poderia falar, já que eu era o paciente, e não ela. Ela me encarou, chocada com o efeito produzido pelos sucessivos adiamentos. O fato de eu ter suportado todo aquele tempo não significou que não teria um preço a ser pago da parte dela, ou Deles. Estava pronto e determinado a fazer o objetivo daquela sessão ser correspondido de forma que justificasse como a presença e intervenção dela se faziam importantes. Perceber que se ofendera, naquele final de tarde, após ter ouvido tantas outras pessoas, mostrou que me encontrava no lugar certo. Os microrganismos, virus, células e sinapses que de alguma forma, juntos, me conduziam, sentiram naquele novo líquido liberado a concentração de uma forte adrenalina. O desafio a mim imposto seria liberar aquelas substâncias que em mim se acumularam. Ela estava ali para isso, EU ERA O PACIENTE! Destilar-se-ia toda aquela adrenalina que alimentavam o Alter ego. Não me lembro se permiti que ela saísse ou se me foi dado medicamento; se ela gritou para que entrassem? Não sei dizer. Fato é que sentou-se novamente na cadeira diante de mim, em um ato de coragem e confiança na função que exercia. – Vamos lá, você é o paciente. Geann, eu estou aqui para te ouvir. Com aquele aval, fui mergulhado em memórias passadas e visões do futuro. Vi-me entrando em um quarto, que era ao lado oposto do meu. Ao lado da escrivaninha havia um bloco preto, de difícil visualização. Pedi, a ela, ajuda. Vi-me inserido em uma memória minha, propiciada pelo fluxo através do tempo. Era uma chance de roubar algo do futuro que viria. Com a ajuda, continuei a forçar minha vista, que na visão possuía uma hipermetropia simulada. Enxerguei folhas arrancadas de um caderno, soltas ao lado do meu fone de ouvido. Apesar do ambiente reformado, o fone continuava o mesmo. Vi anotações que me lembraram experiências passadas. Cálculos que eu fazia anos atrás, na escola, me assustaram, pois estavam vinculados a essa memória vindoura, de um futuro utópico e distópico, ao mesmo tempo, oscilando como uma onda alternada ou partícula atômica responsável por me propiciar aquela visão. – Você consegue ler? – perguntara ela, sobre os papeis, enquanto eu me esforçava. – Estou tentando. Muito difícil. – Tudo bem, você precisa voltar. – Tenho que conseguir, estou quase vendo. – Podem haver danos. – alertou-me, e eu retornei àquele momento da minha vida. “Doutora, preciso solicitar uma pausa.” confesso. Grato, mas completamente atordoado, pelo estágio que ela me confiou alcançar naquele dia. Full Dark. No Stars. Entro no meu quarto e esse dia me vêm à mente, me lembro da consulta. Sempre adoto uma postura cética quando me ocorrem essas lembranças, não posso jamais deixar essas memórias falsas me afetarem e perturbar meu humor. Dou alguns passos em direção ao canto do quarto e vejo que o bloco preto presente na memória era, na verdade, meu computador. Vejo folhas de papel arrancadas de um caderno. Coloco o celular sobre a escrivaninha, me sentindo um tolo ao ir investigar aquelas folhas, que deveriam ter ido para a lixeira há duas semanas. Pego os papeis, e confirmo a predição óbvia, de que eram cálculos do curso que estou fazendo. Mais atento, me deparo com a anotação curiosa, de minha própria caligrafia. Em meio àquelas fórmulas, vi a frase: “A maior distinção que o homem pode realizar, é a de si por si mesmo.” Os três últimos parágrafos descrevem o vídeo. Rio de Janeiro, Abril de 2024 @geannaleaixbitencourt